Com serena gratidão e esperança ativa, reconhecemos no pontificado do Papa Francisco um legado profundo e transformador para a Amazônia. Desde o início do seu ministério, Francisco demonstrou uma sensibilidade única para com esta região, ouvindo com respeito o grito da Terra e o clamor do seu povo. A sua visão pastoral e profética inspirou um caminho sinodal que promove novas formas de ser Igreja, encarnadas no território, em comunhão com os mais esquecidos e em defesa da vida plena para todos.
1. Um caminho que nasce do grito da Amazônia
A Amazônia não tem sido apenas objeto de atenção, mas também sujeito eclesiástico. Francisco compreendeu que ali, onde a vida está ameaçada e a criação geme sob o peso da injustiça, Deus fala com força. A partir desta escuta atenta, o Papa encorajou toda a Igreja a olhar para a Amazónia não com condescendência, mas com reverência. O grito da Amazônia foi, portanto, uma semente de transformação eclesial.
2. A ecologia integral como fundamento espiritual e pastoral
Com a Laudato Si’, o Papa Francisco deixou-nos uma visão em que tudo está interligado. Sua proposta de ecologia integral une a defesa do meio ambiente com a justiça social, o cuidado cultural e a espiritualidade profunda. Na Amazônia, esta visão significou uma conversão eclesial: não se trata mais apenas de proteger os rios e as florestas, mas de abraçar as lutas e as esperanças dos povos que os habitam, especialmente dos povos indígenas, portadores de sabedorias ancestrais e de teologias vivas.
3. O Sínodo para a Amazônia: uma experiência de Igreja que caminha junta
O Sínodo Pan-Amazônico de 2019 foi um momento fundador. Convocado por Francisco, este processo foi um verdadeiro ato sinodal: escuta, discernimento e missão partilhada. Pela primeira vez, a voz das comunidades amazônicas foi acolhida como palavra de Deus no coração da Igreja. Os seus gritos, sonhos e memórias foram reconhecidos como parte essencial do discernimento eclesial.
Daí surgiram os quatro sonhos de Querida Amazonía (2020): social, cultural, ecológico e eclesial. Estes sonhos não são ideias abstratas, mas apelos concretos a uma Igreja que defenda os pobres, que dialogue com as culturas, que cuide apaixonadamente da criação e que viva uma fé encarnada, comunitária e profética.
4. Novas organizações eclesiais a partir da sinodalidade
Um dos frutos mais visíveis e duradouros deste caminho foi a criação de novas formas de organização eclesial, em particular a Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), criada em 2020. A CEAMA é sinal de uma Igreja que se renova a partir do território, que não impõe de cima, mas caminha com o povo, tecendo redes, fortalecendo a vida comunitária e construindo a sinodalidade na vida cotidiana.
Como espaço sinodal, apostólico e profundamente eclesial, o CEAMA articula Igrejas locais, comunidades de base, religiosas, leigos e pastores num corpo vivo que quer responder com criatividade e fidelidade aos desafios amazônicos. É um espaço de esperança ativa, de formação, de diálogo e de ação pastoral integral.
5. Um legado que continua a fertilizar o caminho
O legado do Papa Francisco não se reduz a documentos ou gestos simbólicos. É uma dinâmica viva que desafia toda a Igreja: repensar a sua forma de habitar os territórios, de anunciar o Evangelho e de partilhar a vida com os pobres. No meio de tantas ameaças – desflorestação, violência, extractivismo, exclusão social – a sua mensagem é um apelo a ser uma Igreja que não se acomoda, mas antes se deixa incomodar e mobilizar.
No CEAMA acolhemos esse legado como uma graça e uma responsabilidade. Seguimos caminhando com humildade, fidelidade e alegria, construindo uma Igreja com rosto amazônico, que escuta, acompanha e transforma. Confiamos que, como disse o Papa Francisco, “a esperança é ousada” e que outra Amazônia – e outra Igreja – já estão nascendo, de baixo, das margens, da vida.